Thursday, November 6, 2014

NY notes (2) "Gentrification" ou: A Culpa É Das Estrelas

A palavra é... gentrification. Define o processo de valorização de áreas urbanas, no qual espaços decadentes são revitalizados, os preços sobem, os aluguéis aumentam e os antigos moradores acabam tendo que se mudar dali.

Todo este movimento numa palavrinha sem tradução para o português.

Em NY, a palavra quase sempre é usada para se referir ao processo de "shoppincenterização" de Mannhattan.  O luxuoso super-condomínio multifuncional (comercial e residencial) Hudson Yards é a mais recente face da gentrification. Quando ficar pronto, será um complexo de arranha-céus na beira do Hudson, abraçando a High Line.

Hudson Yards: Detalhe da obra na altura da rua 30 (West Chelsea)


Hudson Yards: Ilustração da obra finalizada (previsão: 2018) 



A região por onde passa a High Line (West Chelsea/Meatpacking ) era um sombrio trecho de galpões no passado recente (anos 70/80). Gradualmente, o Meatpacking foi ocupado por estudios, galerias de artes, lojas de designers, até hypar de vez e virar a Oscar Freire. Depois o Chelsea Market virou um mercadão hipster, os parques (a Highline e o Hudson Park) foram criados e os condomínios foram surgindo junto. 

Pista do Hudson Park (Chelsea)


Detalhe de jardim do Hudson Park


Agora prédios novíssimos de aço e vidro vão ocupando o espaço dos velhos galpões ao longo do rio. Para o alto e avante, junto com os andares construídos, vão os aluguéis. Claro.

Novas construções à beira do Hudson River (rua 16)


Talvez o plano de expansão imobiliária já fosse parte do acordo entre a comunidade, a prefeitura e a companhia ferroviária, para a construção da Highline, por que não?

Highline (Chelsea)


A gentrification (jura que não tem outra palavra?) existe desde que o mundo é mundo. Na Roma antiga, derrubavam-se lojinhas de comércio local para a construção de luxuosas villas (os nossos condomínios). Todo processo de revitalização de alguma área urbana, por bem intencionado que seja, ao valorizar o entorno e melhorar a qualidade de vida, aumenta a especulação imobiliária.

Interessante é notar que frequentemente os artistas são os primeiros agentes da gentrification. Foi assim no SoHo, West Chelsea, Lower East Village, Village, Williamsburg, you name it, vizinhanças deterioradas que, por terem baixos preços, galpões abandonados, viraram o destino de artistas em busca de espaço para performances, estudios e oficinas.  O público interessado em artes alternativas, música, rock, performances, etc, veio atrás, depois o comércio, depois os turistas e - bam! - quem morava nestes lugares nos anos 80 teve que ficar rico ou se mudar para bem longe.

Williamsburg - Brooklyn: o atual bairro dos hipsters já é um dos aluguéis mais caros de NY

Acontece em todos os lugares  - Praça Roosevelt, Puerto Madero, Southbank, diz aí.

A culpa deve ser mesmo das estrelas, digo, dos artistas, com esta mania de fazer do mundo um lugar mais interessante, divertido, melhor - e mais caro - de se viver. 

Sunday, November 2, 2014

NY Notes (1) O que eu vi

Até agora:

Lang Lang e a Filarmônica de NY: o programa eram dois concertos de Mozart para piano - em Sol maior e Dó menor.  Não era familiarizada com nenhum dos dois, o concerto em Sol maior foi uma gratissima surpresa, uma alegria pura. A regata de paetê branco de Lang Lang, confesso, me distraiu em alguns momentos. Entre um concerto e outro ele demorou para voltar ao palco e eu pensei: "pronto, foi trocar de roupa" e a imagem de Lang Lang  num esvoaçante vestido vermelho tomou o meu córtex de assalto. Para meu desapontamento, ele voltou com a mesma regata simplinha de paetês, quase discreta sob a casaca do smoking.

Dei umas choradinhas durante o concerto, porque não é sempre que testemunho música tão bonita e tão bem executada. Os pianíssimos eram de jogar um sapato, tamanha a ostentação de virtuosismo coletivo.




The Curious Incident of the Dog in the Night-Time: adaptação bem-sucedida do belo romance de Mark Haddon. Ainda que o protagonista (o estreante Alex Sharp) seja um pequeno gênio, a direção é a grande estrela desta montagem. A narrativa está amarradinha numa encenação espertíssima e de grande apelo visual. Não dispensaria a leitura do livro, que oferece uma oportunidade original e compassiva de enxergar o mundo através de uma mente autista.



Hedwig and the Angry Inch: escrevi sobre aqui.



Found: escrevi sobre aqui. 



Side Show: Chato. Desculpa. A montagem é linda, o elenco é muito bom, o cenário, os figurinos, a luz, tudo é lindo. Mas a peça é piegas e perde várias oportunidades de ir mais fundo por se levar a sério demais. O que poderia ser engraçado + triste é só uma longa e aborrecida sequência de baladas auto-piedosas sobre ser diferente, excêntrico e bla bla bla (nenhuma novidade aí). 

Devo dizer que fui assistir super de coração aberto e que, sim, eu estava num bom dia. Mas a peça não me convenceu. No entanto, o show tem uma fanbase animada, algumas músicas eram aplaudidas já no início. E, claro, os atores cantam muito bem. Sempre torço para dar certo, no fim das contas.



Death of Klinghofer: Puxadíssimo. Ainda não sei o que pensar; é o tipo de obra que gera sentimentos e pensamentos conflitantes. Uma ópera sobre terrorismo? E a música é linda. Isto não piora as coisas? Dar voz para terroristas não seria temerário? E, no entanto, fica claro que não há justificativa possível, nem fundo, nem fim, para a violência.

O início da ópera é especialmente perturbador, com um coro de palestinos e judeus em dois belíssimos momentos musicais que abrem e encerram o primeiro ato. Os sentimentos são confusos. Estariam os autores tornando bela a violência, racionalizando um ato estúpido? No final, o choque e a vontade de chorar predominam. A obra abre caminho para algum diálogo? Ou apenas abre feridas? Não sei, não sei. Saí do teatro precisando de um drinque forte.




A produção, claro, é deslumbrante. O elenco é forte, honesto, com vozes lindas e uma direção brilhante.  Paulo Szot é aquela força da natureza, sempre intenso e verdadeiro. E Michaela Martens é a voz para encerrar qualquer discussão.